RAZÃO E FÉ
Mary Katherine Araujo de Souza
Seminarista do III ano do curso de teologia no Seminário
Teológico Pentecostal do Nordeste. Kathsouza@yahoo.com.br
RESUMO
Esse artigo discorre
de forma simples um breve pensamento de como visualizar a questão da fé e da
razão na religião cristã. Um nos grandes
enganos que encontramos no pensamento moderno e pós moderno é o de que a fé e a
razão são incompatíveis; esquecendo que a fé bíblica é fundamentada em
processos tanto racionais como espirituais.
Veremos que nos estudos
realizados sobre os pais da igreja e a filosofia platônica encontra-se um dos
debates mais importantes no seio da igreja primitiva no que diz respeito à
fé. Serão evidenciados a visão de
Justino, o mártir, e Agostinho de Hipona que procurava mostrar como os cristãos
poderiam se apropriar da filosofia clássica e da cultura para balizarem sua fé.
Palavras-Chaves: Fé, Razão e Filosofia.
1. INTRODUÇÃO
Será que a fé é algo que escapa da razão? A fé se contrapõe a razão por
que ambas são vias diferentes de se obter a verdade? Pode um Cristão ser
chamado de racional ou racionalista no que tange a verdade? Essas e outras
perguntas têm sido, ao longo dos séculos, debatidas com muita intensidade.
A razão que para os gregos era uma faculdade dada ao homem pelos deuses,
para acessar o “mundo das idéias ou mundo do nous[1]” que era
o modelo do mundo sensível, o mundo que nós experimentamos nada mais é do que
uma copia do mundo perfeito informa que se encontra em uma esfera superior, tal
idéia, encontra-se difundida com maior precisão nos escritos de Platão com suas
idéias de mundo real e numeral,
sendo que o primeiro na verdade é sombra do segundo; logo existe um mundo que
transcende este mais que esta, de alguma forma, revelado neste.
Essas idéias remontam a um período mais antigo, ao Egito, que tinha uma
idéia tripla da realidade, o éctipo, o arquétipo e o tipo ou copias bem
colocado por Platão. Segundo este o éctipo é o está em nível superior, pois
este é o princípio ou a evolução, já no caso do arquétipo o mesmo é modelo
único não manifestado informe de todas as formas subjacente a ela, tomamos, por
exemplo, o caso das diversos tipos de cadeiras com diferentes tipos de cores,
tamanho forma ou estrutura, como por exemplo: cadeira de balanço, cadeira de
mesa, cadeira de escritório e etc. segundo os gregos da escola platônica que
provavelmente anexaram tais idéias dos egípcios mais a racionalizaram; enquanto
os egípcios a tinham em um sistema religioso, e por fim o tipo que diz respeito
a todas as cadeiras que são tipos empíricos de um arquétipo do mundo transcendental
ou numeral.
Tais idéias caíram, como uma luva, para o cristianismo que tinha cosmovisão
com traços comuns e incomuns. Para os filósofos da escola de Plotino (filósofo
neoplatônico), o mundo era na verdade o produto de um ser supramundano que se
manifestava nas formas, esse ser habitava na pura luz, deste proveio a idéia da
adoração aos astros por serem luminosos, tais como o sol e a lua. Em outras
palavras, o mundo é sombra de um mundo que está aquém deste tanto em “forma”
como em “qualidade”.
O cristianismo sobe se aproveitar bem desse sistema e encontrou logo os
pontos de contatos entre ambos. Paulo usa termos comuns dessa filosofia, mas
com outros significados, tal como sombra, para mostrar a superioridade do novo
testamento sobre o Antigo Testamento.
2. DESENVOLVIMENTO
Nos estudos realizados sobre os pais da igreja e a filosofia platônica
encontra-se um dos debates mais importantes no seio da igreja primitiva dizia à
extinção com que os cristãos poderiam se apropriar do imenso legado cultural do
mundo clássico a poesia, a filosofia e a literatura. De que forma a “ars
poética” (a arte poética) poderia ser adotada e adaptada pelo os autores
cristãos que ensinavam por utilizar esses padrões clássicos de escrita, para
expor e comunicar sua fé? Ou o próprio uso deste meio literário significava
comprometer os fundamentos da fé cristã? Foi um debate de grande importância,
pois surgia a questão de os cristãos abdicarem ou tomá-la como nota a sua
herança clássica, mesmo que para isso a modificasse.
Já no século segundo d.C, Justino o mártir, mostrou-se preocupado em
mostrar paralelos entre o sistema platônico e o cristianismo, sendo este
superior; pois está revelado de forma mais acentuado a um povo específico, e
também, devido ao fato de tal povo ter preservado tal herança de forma intacta.
Para Justino as sementes da sabedoria divina haviam sido semeadas por todo o
mundo, o que significa que os cristãos poderiam e deveriam estar prontos para
encontrar pontos contra entre o cristianismo onde menos se imagina e
externamente a igreja.
Segundo Justino, o logos Cristo que era quem estava representado em
outras nações ou religiões pelo termo “logos” ao qual todos têm acesso, afirma
que muita gente vive em redor do logos mesmo sendo visto como ateus, tais como:
Sócrates, Heráclito, e tanto outros, que são na verdade adoradores do Cristo
que está refletido em outras religiões como o logos. “O que quer que tenha
dito, com acerto, tanto os filósofos, quantos os advogados, foi articulado por
meio da descoberta e da reflexão sobre alguns aspectos do logos”.
Entretanto, uma vez que eles não conhecem plenamente o logos que é Cristo,
eles normalmente contradizem a si mesmo. O que quer que tenha sido dito com
precisão, por qualquer pessoa, pertence a nós, os cristãos. Pois adoramos e
amamos ao lado de Deus, o Logos, que é oriundo do Deus eterno e inefável. Uma
vez que foi por nossa causa que ele se tornou humano, para que pudesse
compartilhar de nossos sofrimentos e nos trazer cura. Contudo, “todos os
autores foram capazes de ver a verdade de forma nebulosa, em razão da semente
do logos que foi inserida neles”.
Logo, para Justino toda verdade provem de Deus, e se essas nações afirmaram
alguma verdade, estas as fizeram por influencia Divina; pois toda verdade é
verdade de Deus e só ele pode revelá-la, tanto pela razão, baseado na revelação
geral, como pela intuição, baseado no que Deus comunica a ela ou comunica ao
ser humano mediante alguns eventos supra racionais.
No entanto os argumentos de
Justino não foram vistos com bons olhos pela igreja em alguns setores porque
suas ideias tinham conotações ecumênicas, sendo interpretadas como se ele
tivesse colocando a cultura clássica pagão no mesmo patamar do cristianismo.
A principal oposição a Justino
veio da ala dos Pais Romano, em especial Tertuliano, advogado romano do século
III que se converteu ao cristianismo. Ele questionava: “que relação há entre
Atenas e Jerusalem?”. “Que importância a Academia de Platão tem para a igreja?”
A forma como a pergunta é feita deixa clara a resposta de Tertuliano: “o
cristianismo deve manter sua identidade característica evitando influências
seculares desse tipo”.
No entanto, a conversão de Constantino
abriu caminho para uma avaliação muito mais positiva do relacionamento de cada
aspecto da vida e do pensamento cristão com a cultura clássica.
Com a conversão de Constantino, a
controvérsia sobre a interação entre o cristianismo e a cultura clássica
assumiu um novo sentido. Roma era serva do evangelho; o mesmo não poderia ser valido
em relação a sua cultura? Se o estado romano poderia ser encarado de uma forma
positiva pelo cristão, por que o mesmo não se dava com relação a seu legado
cultural? Pareceria que uma porta havida sido aberta na direção de algumas
possibilidades bastante interessantes. Antes do ano 313, essa situação era
cogitada somente em sonhos; mas após o ano 313 sua exploração tornou-se motivo
de urgência para os principais intelectuais cristãos dentre os quais o maior
foi Agostinho de Hipona.
Agostinho é muito significativo
no que tange a fusão da filosofia ou cultura clássica e o cristianismo. Contudo,
Agostinho o fazia de forma equilibrada o que foi conhecida como “apropriação crítica
da cultura clássica”. Para ele, a titulação era comparável à fuga de Israel do
Egito, à época do êxodo. Embora tenha deixado para trás os ídolos do Egito,
levaram consigo o ouro e a prata para que pudessem fazer um uso melhor e mais
apropriado dessas riquezas que assim estavam disponíveis para servir a um
propósito mais nobre que o anterior. De forma bastante semelhante, a filosofia
e a cultura do mundo antigo poderiam ser apropriadas pelos cristãos naquilo em
que fossem corretas, e assim, poderia servir à causa da fé cristã. Agostinho
arrematou com a observação de que vários cristãos, que recentemente tinham se
tornado famosos, havia lançando mão da sabedoria clássica para o avanço do
evangelho.
Agostinho, em sua forma secular,
defendia que os cristãos deveriam falar da filosofia em todos os seus aspectos
para o proveito do cristianismo, em especial os platônicos, que desdisserem
qualquer coisa que seja verdadeira e consistente com a nossa fé, não devemos
rejeitá-la, mas antes reivindicá-la para nosso uso, conscientes de que eles a
possuem injustamente. Os egípcios possuíram ídolos e fardos pesados que os
filhos de Israel odiavam e dos quais eles fugiram. Entretanto, eles também
possuíam vasos de ouro e de prata e roupas que os nossos antepassados, ao
deixar o Egito, levaram consigo, em segredo, com a intenção de fazer melhor
proveito deles; da mesma forma, o conhecimento pagão não é inteiramente feito
falsos ensinamentos e superstições. Ele também possui alguns ensinamentos
excelentes e adequados ao uso da verdade, assim como excelentes valores morais.
De fato, entre eles, encontram-se
algumas verdades relativas á adoração do Deus único. Elas são por assim dizer,
o ouro e a prata que possuem, os quais eles mesmos enquanto nação produziram,
mas retiraram das minas da providência divina que se encontram espalhadas por
todo o mundo, mais que são, contudo, corrompidas de forma imprópria e ilícita
para adoração de demônios. Portanto, o cristão é capaz de separar essas
verdades de suas infelizes associações, separando-as e utilizando-as de maneira
adequada à proclamação do evangelho.
Agostinho entendia que deveria
separar as coisas que são úteis ao cristianismo em detrimento do grau que o
paganismo assumira, no entanto, os cristãos deveriam ter muito cuidado para não
confundir paganismo com Cristianismo e também não reduzir o paganismo nem ao
menos humanizá-lo. Esse posicionamento de Agostinho abriu a porta para que as
grandes correntes filosóficas adentrassem no ocidente cristão, tais como o platonismo
e o tomismo (filosofia escolástica de São Tomás de Aquino). No entanto tal
abertura, embora tenha sido muito útil, fora também prejudicial para o
cristianismo; pois houve um sincretismo entre tais sistemas somando ao fato de
muitos cristãos pensarem a fé no formato grego-racional o que foi muito danoso à
igreja, uma vez que o arianismo, o sabelianismo, o gnosticismo cristão, era
filho do estrangeiro.
Citamos algumas correntes filosóficas que tiveram influência na teologia
e que a levou tanto para a heterodoxia quanto a manteve na ortodoxia, e a
seguir daremos as correntes filosóficas. São as seguintes:
- Platonismo que tem suas raízes na academia de Platão, dentro os quais se destaca a teoria da forma.
- O aristotelismo, que teve como seu maior líder Aristóteles que foi discípulo de Platão mais que depois se ausentou da mesma e fundou a sua própria a do “liceu”.
- Ramismo que busca defender a teologia reformada.
- O cartesianismo. Este está fundamentado no racionalista do Francês René Descartes que procurou explicar Deus e a fé mediante os princípios racionais a priori, afirmando que a revelação deve ser explicada racionalmente. Seu principal lema: “penso logo existo”.
- Hegelianismo que tem como seu pai o filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
- Kantiasmo que enfatizou o transcendentalismo Divino em razão de não termos acesso aos objetos diretamente, contudo temos acesso às formas, e às imagens.
Essas escolas foram responsáveis
pela teologia atual, que é vista como multifacetado. Todas essas influências
foram úteis e danosas à cristandade. Algumas enfatizam a imanência
(hegelianismo), enquanto outra bate o martelo na teologia do transcendentalismo
e nesta finca sua ancora. Outras tentaram ver o mundo como uma forma do mundo
da idéias, e a razão foi muito útil para a teologia principalmente para os pais
da igreja que se valeram da Bíblia e da filosofia para explicar a fé, ou mostrar
os pontos de contato entre elas.
Na atualidade os filósofos que
mais se destacam são: Willian Lane Craig, Norman Geisler, Rave Zacarias etc.;
esses têm exercido grande influência na atualidade mesmo se valendo da teologia
platônico-escolastica-decartiana para seus argumentos principais, sendo
altamente tradicionais e históricos.
Como exemplos de tais acomodações da filosofia temos a teologia como o
método dedutivo de Tomas que se valeu da lógica aristotélica: 1. Todo o que
começou a existir tem uma causa. 2. O mundo começou a existir. 3. logo o mundo
tem uma causa.
As cinco vias, de Tomás de Aquino, é indispensável para “provar”
racionalmente o argumento de grau de beleza que advoga. Ele cita que se há algo
belo então há o autor dessa beleza que deve ser o sumo belo.
3. CONCLUSÃO
De fato, as verdades que se referem a Deus e às relações entre os homens
e Deus são verdades que transcendem por completo a ordem das coisas sensíveis
e, quando entram na prática da vida e a informam, exigem sacrifício e abnegação
própria.
Assim sendo, o
entendimento humano encontra dificuldades na aquisição de tais verdades, quer
pela ação dos sentidos e da imaginação, quer pelas más inclinações nascidas do
pecado original. Isso faz com que os homens, em semelhantes questões,
facilmente se persuadam de ser falso e duvidoso o que não querem que seja
verdadeiro.
O que se conclui após essas explanações entre a razão e a fé? A razão foi
indispensável para fé. Contudo, deve-se ter em mente que a razão não pode provar
o que já é provado pela fé e que não é proveniente de argumentos filosóficos e
que ela é uma certeza provocada por Deus de forma mística. Afinal, o ser humano
é um ser místico.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFICAS
DE POITIERS, Hilário. Tratado
sobre a santíssima trindade. São Paulo: Editora Paulus, 2005.
DODD, Charles H. A
interpretação do Quarto evangelho. São Paulo: Editora Teológica, 2003.
E. MCGRATH, Alister. Teologia,
sistemática, histórica e filosófica. São Paulo: Editora Shedd publicações,
2005.
BRINGER, Maria C. Razão e Fé. Disponível
em: http://www.georgezarur.com.br/opiniao/105/razao-e-fe-a-partir-de-um-texto-de-maria-clara-bingelmer.
Acesso em: 03 de Set. 2013.
CRAIG, William L. É possível acreditar em Deus usando a
Razão. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/e-possivel-acreditar-em-deus-usando-a-razao-afirma-william-lane-craig.
Acesso em 03 de Set. 2013.
[1]
Nous: termo filosófico grego que não possui uma
transcrição direta para a língua portuguesa, e que significa atividade do
intelecto ou da razão
em oposição aos sentidos materiais. Muitos autores atribuem como sinônimo a
Nous os termos "Inteligência" ou "Pensamento".
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