terça-feira, 24 de setembro de 2013

RAZÃO E FÉ -Mary Katherine Araujo de Souza

RAZÃO E FÉ

Mary Katherine Araujo de Souza
Seminarista do III ano do curso de teologia no Seminário Teológico Pentecostal do Nordeste. Kathsouza@yahoo.com.br

RESUMO

Esse artigo discorre de forma simples um breve pensamento de como visualizar a questão da fé e da razão na religião cristã.  Um nos grandes enganos que encontramos no pensamento moderno e pós moderno é o de que a fé e a razão são incompatíveis; esquecendo que a fé bíblica é fundamentada em processos tanto racionais como espirituais.
Veremos que nos estudos realizados sobre os pais da igreja e a filosofia platônica encontra-se um dos debates mais importantes no seio da igreja primitiva no que diz respeito à fé.  Serão evidenciados a visão de Justino, o mártir, e Agostinho de Hipona que procurava mostrar como os cristãos poderiam se apropriar da filosofia clássica e da cultura para balizarem sua fé.

Palavras-Chaves: Fé, Razão e Filosofia.


1. INTRODUÇÃO

Será que a fé é algo que escapa da razão? A fé se contrapõe a razão por que ambas são vias diferentes de se obter a verdade? Pode um Cristão ser chamado de racional ou racionalista no que tange a verdade? Essas e outras perguntas têm sido, ao longo dos séculos, debatidas com muita intensidade.
A razão que para os gregos era uma faculdade dada ao homem pelos deuses, para acessar o “mundo das idéias ou mundo do nous[1]” que era o modelo do mundo sensível, o mundo que nós experimentamos nada mais é do que uma copia do mundo perfeito informa que se encontra em uma esfera superior, tal idéia, encontra-se difundida com maior precisão nos escritos de Platão com suas idéias de mundo real e numeral, sendo que o primeiro na verdade é sombra do segundo; logo existe um mundo que transcende este mais que esta, de alguma forma, revelado neste.
Essas idéias remontam a um período mais antigo, ao Egito, que tinha uma idéia tripla da realidade, o éctipo, o arquétipo e o tipo ou copias bem colocado por Platão. Segundo este o éctipo é o está em nível superior, pois este é o princípio ou a evolução, já no caso do arquétipo o mesmo é modelo único não manifestado informe de todas as formas subjacente a ela, tomamos, por exemplo, o caso das diversos tipos de cadeiras com diferentes tipos de cores, tamanho forma ou estrutura, como por exemplo: cadeira de balanço, cadeira de mesa, cadeira de escritório e etc. segundo os gregos da escola platônica que provavelmente anexaram tais idéias dos egípcios mais a racionalizaram; enquanto os egípcios a tinham em um sistema religioso, e por fim o tipo que diz respeito a todas as cadeiras que são tipos empíricos de um arquétipo do mundo transcendental ou numeral.
Tais idéias caíram, como uma luva, para o cristianismo que tinha cosmovisão com traços comuns e incomuns. Para os filósofos da escola de Plotino (filósofo neoplatônico), o mundo era na verdade o produto de um ser supramundano que se manifestava nas formas, esse ser habitava na pura luz, deste proveio a idéia da adoração aos astros por serem luminosos, tais como o sol e a lua. Em outras palavras, o mundo é sombra de um mundo que está aquém deste tanto em “forma” como em “qualidade”.
O cristianismo sobe se aproveitar bem desse sistema e encontrou logo os pontos de contatos entre ambos. Paulo usa termos comuns dessa filosofia, mas com outros significados, tal como sombra, para mostrar a superioridade do novo testamento sobre o Antigo Testamento.

2. DESENVOLVIMENTO

Nos estudos realizados sobre os pais da igreja e a filosofia platônica encontra-se um dos debates mais importantes no seio da igreja primitiva dizia à extinção com que os cristãos poderiam se apropriar do imenso legado cultural do mundo clássico a poesia, a filosofia e a literatura. De que forma a “ars poética” (a arte poética) poderia ser adotada e adaptada pelo os autores cristãos que ensinavam por utilizar esses padrões clássicos de escrita, para expor e comunicar sua fé? Ou o próprio uso deste meio literário significava comprometer os fundamentos da fé cristã? Foi um debate de grande importância, pois surgia a questão de os cristãos abdicarem ou tomá-la como nota a sua herança clássica, mesmo que para isso a modificasse.
Já no século segundo d.C, Justino o mártir, mostrou-se preocupado em mostrar paralelos entre o sistema platônico e o cristianismo, sendo este superior; pois está revelado de forma mais acentuado a um povo específico, e também, devido ao fato de tal povo ter preservado tal herança de forma intacta. Para Justino as sementes da sabedoria divina haviam sido semeadas por todo o mundo, o que significa que os cristãos poderiam e deveriam estar prontos para encontrar pontos contra entre o cristianismo onde menos se imagina e externamente a igreja.
Segundo Justino, o logos Cristo que era quem estava representado em outras nações ou religiões pelo termo “logos” ao qual todos têm acesso, afirma que muita gente vive em redor do logos mesmo sendo visto como ateus, tais como: Sócrates, Heráclito, e tanto outros, que são na verdade adoradores do Cristo que está refletido em outras religiões como o logos. “O que quer que tenha dito, com acerto, tanto os filósofos, quantos os advogados, foi articulado por meio da descoberta e da reflexão sobre alguns aspectos do logos”.
Entretanto, uma vez que eles não conhecem plenamente o logos que é Cristo, eles normalmente contradizem a si mesmo. O que quer que tenha sido dito com precisão, por qualquer pessoa, pertence a nós, os cristãos. Pois adoramos e amamos ao lado de Deus, o Logos, que é oriundo do Deus eterno e inefável. Uma vez que foi por nossa causa que ele se tornou humano, para que pudesse compartilhar de nossos sofrimentos e nos trazer cura. Contudo, “todos os autores foram capazes de ver a verdade de forma nebulosa, em razão da semente do logos que foi inserida neles”.

Logo, para Justino toda verdade provem de Deus, e se essas nações afirmaram alguma verdade, estas as fizeram por influencia Divina; pois toda verdade é verdade de Deus e só ele pode revelá-la, tanto pela razão, baseado na revelação geral, como pela intuição, baseado no que Deus comunica a ela ou comunica ao ser humano mediante alguns eventos supra racionais.
No entanto os argumentos de Justino não foram vistos com bons olhos pela igreja em alguns setores porque suas ideias tinham conotações ecumênicas, sendo interpretadas como se ele tivesse colocando a cultura clássica pagão no mesmo patamar do cristianismo.
A principal oposição a Justino veio da ala dos Pais Romano, em especial Tertuliano, advogado romano do século III que se converteu ao cristianismo. Ele questionava: “que relação há entre Atenas e Jerusalem?”. “Que importância a Academia de Platão tem para a igreja?” A forma como a pergunta é feita deixa clara a resposta de Tertuliano: “o cristianismo deve manter sua identidade característica evitando influências seculares desse tipo”.
No entanto, a conversão de Constantino abriu caminho para uma avaliação muito mais positiva do relacionamento de cada aspecto da vida e do pensamento cristão com a cultura clássica.
Com a conversão de Constantino, a controvérsia sobre a interação entre o cristianismo e a cultura clássica assumiu um novo sentido. Roma era serva do evangelho; o mesmo não poderia ser valido em relação a sua cultura? Se o estado romano poderia ser encarado de uma forma positiva pelo cristão, por que o mesmo não se dava com relação a seu legado cultural? Pareceria que uma porta havida sido aberta na direção de algumas possibilidades bastante interessantes. Antes do ano 313, essa situação era cogitada somente em sonhos; mas após o ano 313 sua exploração tornou-se motivo de urgência para os principais intelectuais cristãos dentre os quais o maior foi Agostinho de Hipona.
Agostinho é muito significativo no que tange a fusão da filosofia ou cultura clássica e o cristianismo. Contudo, Agostinho o fazia de forma equilibrada o que foi conhecida como “apropriação crítica da cultura clássica”. Para ele, a titulação era comparável à fuga de Israel do Egito, à época do êxodo. Embora tenha deixado para trás os ídolos do Egito, levaram consigo o ouro e a prata para que pudessem fazer um uso melhor e mais apropriado dessas riquezas que assim estavam disponíveis para servir a um propósito mais nobre que o anterior. De forma bastante semelhante, a filosofia e a cultura do mundo antigo poderiam ser apropriadas pelos cristãos naquilo em que fossem corretas, e assim, poderia servir à causa da fé cristã. Agostinho arrematou com a observação de que vários cristãos, que recentemente tinham se tornado famosos, havia lançando mão da sabedoria clássica para o avanço do evangelho.
Agostinho, em sua forma secular, defendia que os cristãos deveriam falar da filosofia em todos os seus aspectos para o proveito do cristianismo, em especial os platônicos, que desdisserem qualquer coisa que seja verdadeira e consistente com a nossa fé, não devemos rejeitá-la, mas antes reivindicá-la para nosso uso, conscientes de que eles a possuem injustamente. Os egípcios possuíram ídolos e fardos pesados que os filhos de Israel odiavam e dos quais eles fugiram. Entretanto, eles também possuíam vasos de ouro e de prata e roupas que os nossos antepassados, ao deixar o Egito, levaram consigo, em segredo, com a intenção de fazer melhor proveito deles; da mesma forma, o conhecimento pagão não é inteiramente feito falsos ensinamentos e superstições. Ele também possui alguns ensinamentos excelentes e adequados ao uso da verdade, assim como excelentes valores morais.
De fato, entre eles, encontram-se algumas verdades relativas á adoração do Deus único. Elas são por assim dizer, o ouro e a prata que possuem, os quais eles mesmos enquanto nação produziram, mas retiraram das minas da providência divina que se encontram espalhadas por todo o mundo, mais que são, contudo, corrompidas de forma imprópria e ilícita para adoração de demônios. Portanto, o cristão é capaz de separar essas verdades de suas infelizes associações, separando-as e utilizando-as de maneira adequada à proclamação do evangelho.
Agostinho entendia que deveria separar as coisas que são úteis ao cristianismo em detrimento do grau que o paganismo assumira, no entanto, os cristãos deveriam ter muito cuidado para não confundir paganismo com Cristianismo e também não reduzir o paganismo nem ao menos humanizá-lo. Esse posicionamento de Agostinho abriu a porta para que as grandes correntes filosóficas adentrassem no ocidente cristão, tais como o platonismo e o tomismo (filosofia escolástica de São Tomás de Aquino). No entanto tal abertura, embora tenha sido muito útil, fora também prejudicial para o cristianismo; pois houve um sincretismo entre tais sistemas somando ao fato de muitos cristãos pensarem a fé no formato grego-racional o que foi muito danoso à igreja, uma vez que o arianismo, o sabelianismo, o gnosticismo cristão, era filho do estrangeiro.
Citamos algumas correntes filosóficas que tiveram influência na teologia e que a levou tanto para a heterodoxia quanto a manteve na ortodoxia, e a seguir daremos as correntes filosóficas. São as seguintes:
  1. Platonismo que tem suas raízes na academia de Platão, dentro os quais se destaca a teoria da forma.
  2. O aristotelismo, que teve como seu maior líder Aristóteles que foi discípulo de Platão mais que depois se ausentou da mesma e fundou a sua própria a do “liceu”.
  3. Ramismo que busca defender a teologia reformada.
  4. O cartesianismo. Este está fundamentado no racionalista do Francês René Descartes que procurou explicar Deus e a fé mediante os princípios racionais a priori, afirmando que a revelação deve ser explicada racionalmente. Seu principal lema: “penso logo existo”.
  5. Hegelianismo que tem como seu pai o filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
  6. Kantiasmo que enfatizou o transcendentalismo Divino em razão de não termos acesso aos objetos diretamente, contudo temos acesso às formas, e às imagens.
Essas escolas foram responsáveis pela teologia atual, que é vista como multifacetado. Todas essas influências foram úteis e danosas à cristandade. Algumas enfatizam a imanência (hegelianismo), enquanto outra bate o martelo na teologia do transcendentalismo e nesta finca sua ancora. Outras tentaram ver o mundo como uma forma do mundo da idéias, e a razão foi muito útil para a teologia principalmente para os pais da igreja que se valeram da Bíblia e da filosofia para explicar a fé, ou mostrar os pontos de contato entre elas.
Na atualidade os filósofos que mais se destacam são: Willian Lane Craig, Norman Geisler, Rave Zacarias etc.; esses têm exercido grande influência na atualidade mesmo se valendo da teologia platônico-escolastica-decartiana para seus argumentos principais, sendo altamente tradicionais e históricos.

Como exemplos de tais acomodações da filosofia temos a teologia como o método dedutivo de Tomas que se valeu da lógica aristotélica: 1. Todo o que começou a existir tem uma causa. 2. O mundo começou a existir. 3. logo o mundo tem uma causa.

As cinco vias, de Tomás de Aquino, é indispensável para “provar” racionalmente o argumento de grau de beleza que advoga. Ele cita que se há algo belo então há o autor dessa beleza que deve ser o sumo belo.
3. CONCLUSÃO

De fato, as verdades que se referem a Deus e às relações entre os homens e Deus são verdades que transcendem por completo a ordem das coisas sensíveis e, quando entram na prática da vida e a informam, exigem sacrifício e abnegação própria.
Assim sendo, o entendimento humano encontra dificuldades na aquisição de tais verdades, quer pela ação dos sentidos e da imaginação, quer pelas más inclinações nascidas do pecado original. Isso faz com que os homens, em semelhantes questões, facilmente se persuadam de ser falso e duvidoso o que não querem que seja verdadeiro.
O que se conclui após essas explanações entre a razão e a fé? A razão foi indispensável para fé. Contudo, deve-se ter em mente que a razão não pode provar o que já é provado pela fé e que não é proveniente de argumentos filosóficos e que ela é uma certeza provocada por Deus de forma mística. Afinal, o ser humano é um ser místico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

DE POITIERS, Hilário. Tratado sobre a santíssima trindade. São Paulo: Editora Paulus, 2005.

DODD, Charles H. A interpretação do Quarto evangelho. São Paulo: Editora Teológica, 2003.

E. MCGRATH, Alister. Teologia, sistemática, histórica e filosófica. São Paulo: Editora Shedd publicações, 2005.

BRINGER, Maria C. Razão e Fé. Disponível em: http://www.georgezarur.com.br/opiniao/105/razao-e-fe-a-partir-de-um-texto-de-maria-clara-bingelmer. Acesso em: 03 de Set. 2013.

CRAIG, William L. É possível acreditar em Deus usando a Razão. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/e-possivel-acreditar-em-deus-usando-a-razao-afirma-william-lane-craig. Acesso em 03 de Set. 2013.



[1] Nous: termo filosófico grego que não possui uma transcrição direta para a língua portuguesa, e que significa atividade do intelecto ou da razão em oposição aos sentidos materiais. Muitos autores atribuem como sinônimo a Nous os termos "Inteligência" ou "Pensamento".

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